O Torneiro da Mouraria (2015)

N/C

15 min

Documentário   Curta-metragem  

Realização:  ·  Takis Panas  ·  Andre Birken

Crítica ao filme:
Nesta visita breve ao longo e demorado tempo dos artífices de outras eras que entre nós persistem ainda, recordando-nos um outro sentido, talvez perdido, do habitar a vida, o filme de Takis Panas, com cinematografia de Andre Birken, instala-se deliberadamente no equilíbrio instável entre a técnica avançada do cinema - técnica dos imateriais, do som e da luz - e as técnicas tradicionais que através daquela são manifestadas: a do trabalho manual e mecânico sobre a matéria, no seu esplendor etimológico - a madeira.
Este ligeiro paradoxo desfaz-se, porém, depressa: porque também a cinematografia dos visitantes da loja recôndita aceita recuar a uma sensibilidade artesanal da sua arte fílmica, para através dessa forma se aproximarem do seu conteúdo temático, a arte do torneiro.
O filme torna-se assim num equivalente artesanal do seu objecto temático.
Na época da reprodutibilidade digital da matéria, da clonagem, das impressoras 3D, da Second Life, os recursos industriais para produzir objectos acabados e perfeitos (tão perfeitos, mesmo, que virtuais) mediante a programação electrónica, erradicaram da face do mundo instâncias tradicionais como a deste torneiro "do tempo dos mouros".
O que João Balhé e Takis Panas nos vêm recordar não é nem o regresso a uma modalidade artesanal irrecuperável, nem a suspeita sobre a fabricação industrial de mobiliário, adaptada à escala planetária dos biliões de habitantes - mas apenas, no meio de tudo isso e no cruzamento entre duas eras da história, incomensuráveis entre si, dar sinal da escala e da medida humanas da nossa relação ao mundo, às suas matérias, aos seus objectos, às coisas do uso diário que nós, humanos, fazemos, aos utensílios e aparelhos que mediam essa relação, à qualidade do tempo de habitar, ao modo de conduzir uma existência.
Esse sinal não reclama para si qualquer aplicação, qualquer verdade de que seja portador, qualquer juízo, nem testemunha de alguma truculenta 'etnocinematografia dos espaços urbanos' - daí o seu incómodo, o incómodo da simplicidade 'octogenária' de quem ainda vive um segredo desfeito: o da proximidade, quando a mão era mão inteira, num trato com a matéria do mundo que ía de substância a substância - e não a sua franja 'digital', hábil, mercurial e desligada.
[jMM]

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